O tipo de troca com o divino que o ex-voto expressa, artística e
ritualmente, é uma prática observada em todas as épocas e culturas. Pairam
dúvidas sobre sua origem, embora algumas fontes localizem-na entre os
fenícios. É observada nas religiões pré-cristãs e pré-islâmicas da Ásia Menor,
norte da África, e povos mediterrâneos, da Europa ocidental e central. Formas
comparáveis ou idênticas encontram-se em tradições recentes e populares da
Índia, Tibet, China e Japão. O costume de oferecer "presentes
votivos" se dissemina pelas Américas do Sul e Central, entre a colonização
portuguesa e espanhola, e as missões católicas romanas. Na Idade Média, o
ex-voto é hábito da nobreza, que encomenda os objetos votivos - em geral
pinturas - a artistas conhecidos. Até o século XVI, o ex-voto pintado se mantém
preferencialmente relacionado às classes mais abastadas; e, a partir desse
período, as imagens votivas se disseminam pelo mundo ocidental, aparecendo cada
vez mais em imagens populares. Entre as
imagens mais antigas preservadas a que se tem acesso encontram-se as da igreja
de Hagios Deméritos (séculos VI e VII) em Tessalônica, Grécia, e as da
catacumba de Commodilla, Roma (século VI).
Os ex-votos são amplamente realizados até hoje, em todo o mundo. No
Brasil, trata-se de uma tradição que remonta ao século XVIII e ao ex-voto
pintado do convento de Santo Antônio de Igaraçu, em Pernambuco, procedente da
antiga igreja de São Cosme e Damião, 1729. Nele encontra-se relatada a epidemia
da peste que atinge o Estado em 1685, e que não teria alcançado a cidade em
razão da promessa feita pela população. Em Salvador, no mosteiro de São Bento,
encontra-se a pintura de 1745, que representa a figura daquele beneficiado pelo
milagre, Agostinho Pereira da Silva, que teria escapado de ladrões em razão da
promessa feita a Nossa Senhora dos Remédios. No Museu do Estado de Pernambuco,
é possível ver três painéis, datados de 1709, representando as batalhas dos
montes Guararapes e das Tabocas, e o apelo feito a Nossa Senhora dos Prazeres.
Ex-votos esculpidos em madeira se fazem presentes em diversos Estados do
Nordeste brasileiro, principalmente Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte. Ainda
que, de modo geral, essas obras sejam anônimas, é possível citar os nomes de
alguns artistas como Dezinho de Valença (1915),
Mestre Noza (1897 - 1984), e de Zé Leão, muito
conhecido como escultor de ex-votos. O Museu Câmara Cascudo, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, mantém uma importante coleção de
ex-votos de várias regiões do Estado. As "casas de milagres" dos
grandes centros de peregrinação, como o de Bom Jesus da Lapa, Bahia, o de Bom
Jesus do Matosinhos, em Congonhas do Campo, Minas Gerais, Ceará encontramos nas
Basílicas de Canindé e Juazeiro do Norte, Em São Paulo, Santuário Nacional de
Aparecida do Norte, nestes locais religiosos recebem grande variedade de
objetos trazidos pelos romeiros que vêm pagar promessas.
A PROVA DA FÉ ALCANÇADA.
Os moradores
da cidade de São Cristóvão, localizada no estado de Sergipe na região Nordeste
do país, realizam uma importante celebração religiosa sempre no final da
Quaresma, quando milhares de pessoas dos mais diferentes locais lotam as ruas,
calçadas e praças da pequena cidade para acompanhar a procissão do Senhor dos
Passos. Nesta procissão carregam pernas e braços de madeiras, muletas, provas
escolares, fotografias e outros objetos como forma de agradecimento por uma
graça alcançadas. No final do percurso depositam seus ex-votos na Igreja do
Carmo como forma de provar a fé alcançada.
As festas em
homenagem aos santos padroeiro e as romarias são as ocasiões preferidas pelos
romeiros para pagar suas promessas e colocar seus ex-votos nos santuários
religiosos. Estas manifestações não acontecem somente as festas dos santos de
devoção. Segundo o Professor José Claudio Alves de Oliveira, do Departamento de
Museologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) a cada missa, festa, visita aos
santuários, cemitério ou cruzeiro, a tradição está presente através da
demonstração da fé.
Hoje, nós principais centros de peregrinação
encontramos uma trilha de fé, não somente nos dias de festas religiosas mas em
quase todos os dias. Encontramos jovens, idosos, casais, pessoas das mais variadas
classes sócias que juntos aos cortejos cantam louvores, rezam, oferecem objetos
aos santos e terminam o percurso fazendo a desobrigação, que e o ato de colocar
seus ex-votos nas salas de milagres das igrejas. Nestes espaços sagrados, as peças
oferecidas em pagamento de um milagre ou graça alcançada se espalham por toda
parte. A maioria das salas tem aspecto bem parecidos. O que mais se vê são
pernas, braços e outras partes do corpo humano reproduzidos em cera ou madeira
pendurados no teto. Encontramos nas paredes as tradicionais fotografias como
prova do que era antes e agora depois da graça alcançada. Pequenos quadros e
crucifixos completa esta exposição de fé, no ar um cheiro de velas queimadas
acendidas pelos pagadores de promessas e visitantes. Hoje, no mundo, os pequenos e grandes
santuários católicos apresentam acervos efêmeros em suas salas de milagres.
Objetos que ficam por pouco tempo nas salas. Objetos que vão para museus, e
outros que simplesmente somem por algum tipo de descarte. Salas famosas como as
de Nossa Senhora Aparecida, no Brasil, Guadalupe, no México, Lourdes, na França
e outras, apresentam a riqueza tipológica desses objetos.
A sala de promessa do santuário
de Nossa Senhora de Aparecida é o segundo local mais visitado, só perdendo apenas
para o santuário onde está localizado a imagens de Nossa Senhora. Segundo dados
de estatística da Basílica são depositados por mês cerca de 22 mil ex-votos.
Tudo começou nos primeiros tempos de romaria, os romeiros deixavam seus ex-votos
pendurados nas paredes da Capelinha de Itaguaçu. Com o crescimento do número de
fiéis foi necessário construir uma nova igreja maior, isto aconteceu em 1745.
Atualmente é a atual Basílica velho. Como o passar do tempo uma nova igreja foi
construída em 1980. A Basílica de Nossa Senhora de Aparecida, também conhecida
como Santuário Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, inaugurada
pelo Papa João Paulo II quando ele visitou o Brasil pela primeira vez. Em sua
trajetória secular a Basílica continua sendo o local de maior peregrinação do
País, perdendo apenas para a Basílica de São Pedro localizado no Vaticano. No
interior da Basílica podemos encontra desenhos de milagres feitos em meados do
século XIX pelo pintor alemão Thomas Driendl perto do teto da nave central da
antiga igreja. Existe as imagens feita de velas pelo escravo Zacarias de
pessoas com deficiência visual, de boiadeiro entre outras. Em 1955 os ex-votos
pássaro a ter um lugar especial no subsolo onde existe um museu da prova da
existência da fé, das graças alcançadas. Quem visita as salas de milagres de Aparecida
se depara com uma infinidade de peças, que vão desde coroas valiosas, mantos
ricamente ornamentados em fios de sedas, rádios antigos, miniaturas de carro de
boi, fitas de VHS ou DVD de casamentos, teses de doutorado, mechas de cabelo,
par de chuteiras, roupas de formaturas. Além de mensagens escritas como a de um
casal de boias-frias de Cotia, que registra um milagre alcançado a Nossa
Senhora pela recuperação de seu filho que havia sido desenganado pelos médicos,
que aconselhou a leva-lo para casa para morrer. Hoje, termina a mensagem, ele está em boa
saúde. Os motivos de agradecimento que levaram milhares de devotos aos centros
religiosos são os mais variados possível. Os milagres acompanham as
transformações sócias e tecnológica. Segundo o Professor Jean Luiz Neves Abreu
da Univale/MG autor da tese de dissertação sobre: os ex-votos mineiros no século XVIII, existe ex-votos que
representam acidentes de automóvel, o que mostra como eles continuam a
testemunhar a crença no milagre e como os santos assumem novas funções nos
tempos atuais. Em meados do século XVIII se abençoavam animais, atualmente no
século XXI há benções de veículos novos. (Eu próprio quando comprei meu
primeiro carro em 2010, foi a cidade de Juazeiro do Norte para abençoar meu
carro na igreja do socorro.).
Como o passar do tempo,
muitas coisas mudaram, como os “escreventes de cartas” pessoas que escrevia os
pedidos ou milagres para os pagadores de promessas, que não sabia escrever.
Hoje quase ninguém mais escreve os textos a mão. São digitalizados e impressos
em computadores. Outro personagem que se torna cada dia mais raro é o do
riscador de milagres ou como queira escultor, artista que descrevia as cenas
dos milagres em pequenas telas ou peças de madeiras. Hoje só existe escultores
ou pintores nas cidades de Matosinho (MG), Aparecida (SP) e Juazeiro do Norte (CE), este trabalho
artístico foi substituído muitas vezes pela fotografia. Antes, numa peça de
madeira ou tela votiva, descrevia-se o doente no leito, sendo visitado pelo
santo e logo abaixo existia uma legenda descrevendo o milagre alcançado. Nos
santuários católicos, uma grande parte desses objetos constitui verdadeiros
museus, diferentes dos museus tradicionais. Os pagadores de promessas e
romeiros tem uma relação direta e afetiva com as peças colocadas por eles.
Na cidade de São Cristóvão (SE), existe
um museu de ex-votos mantido pela Ordem Terceira do Carmo, onde os pagadores de
promessas sempre voltam para visitar seus objetos deixados, querem rever o
milagre que foram concebidos e agradecer as graças, ou simplesmente fazer um
novo pedido. Em visita a cidade de
Juazeiro do Norte (CE). Presenciei um senhor que veio para rever seu ex-voto, era
um carro esculpido em madeira que segundo ele teria trazido alguns anos antes.
Ficou muito emocionado em reencontra seu ex-voto. Senhor Galego, um dos
primeiros fotógrafos de Juazeiro afirma que existe um comercio em forma de empréstimo
de peças colocadas no museu localizado na casa do Padre Cicero, esta pratica
permite os menos favorecidos economicamente consigam adquiri-las. Já que uma
grande parte destas peças são descartadas anualmente para serem subsistidas por
outras. Estes museus nasceram para guarda estas peças existentes nas igrejas,
como forma de preservá-los. As peças mais chamativas, que tem maior
expressividade através de formatos simbológicos são colocadas para demonstração
da fé das pessoas envolvidas. Temos como exemplo o capacete de Ayrton Sema em
Aparecida. Além da coleção de ex-votos da Igreja Bom Senhor Jesus de
Matosinhos (MG). Esta coleção possui uma peculiaridade, pois muitos objetos
saem do museu para serem usados em festas, solenidades e procissões,
tratando-se, portanto de um acervo “vivo”, o que evidencia a força das
tradições religiosas da cidade. O visitante do Museu, através
da contemplação destes objetos, poderá usufruir de uma parte do universo
religioso dos períodos históricos de Minas Gerais e aprender sobre a
importância desta religiosidade na formação histórica e cultural de São João
del-Rei. Em São Cristóvão, os ex-votos e
objetos votivos deixados pelos romeiros na igreja do Carmo deram origem ao
primeiro museu na região Nordeste inaugurado em janeiro de 1990. As primeiras
peças eram formadas basicamente por reprodução de membros do corpo humano. Mais
surgiram outras peças doadas por particulares para riqueza do acervo. A
importância maior destes objetos e a preservação dessas relíquias, fruto de
pesquisa de mais de um século de fé e devoção do povo nordestino. O desvio
constante das peças por colecionadores e turistas, além da constante queimas
indiscriminadas, em razão do excesso de ex-votos no recinto das igrejas e salas
de milagres para renovação das peças.
Valentim Santos
Professor, historiador e sociólogo.
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