quinta-feira, 20 de dezembro de 2012


                 ACARAPE, A REDENÇÃO DA LIBERDADE.


Mas o grande e definitivo momento não tardaria para acontecer, no dia 1º de janeiro de 1883, a vila de Acarape, hoje município de Redenção no Interior cearense, tornaria a ser a primeira cidade do Império do Brasil a alforriar todos seus escravos de uma só vez.
Nascida com o nome de Acarape, palavra indígena tupy etimologicamente formado por dois nomes ACARÁ = peixe; PÉ = caminho das graças. Situada às margens do rio Pacoti, localizada no pé da serra, esse pequeno povoado logo se tornaria um núcleo com a criação de um posto de administração policial em 18 de março de 1842, depois de 26 anos tornar-se-ia Vila de Acarape, pelo Presidente da Província Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo, em 28 de dezembro de 1868, que sancionou e promulgou a lei de nº 1.255, tornando Acarape município livre e independente de Baturité, ao qual era subordinado.
No dia 21 de agosto de 1871, às 11h foi instalada a primeira Câmera Municipal da cidade de Acarape, que contava com 07 vereadores que foram eleitos com 150 votos. A Câmera era composta da seguinte maneira:
Presidente
Cel. Simeão Teles de Meneses Jurumenha                 
Vereadores
José Joaquim de Araújo                                                    
Félix Nogueira de Sousa                                                  
Francisco Ernesto de Oliveira                                          
Honorato Gomes da Silva
Suplentes
José Martins Maia
Antonio Ferreira dos Reis                                                 
Substituição
Francisco Ferreira da Silva
Cassiano Antônio de Sousa
A chama ardente do movimento abolicionista na capital cearense alimentava os filhos de Acarape, que nutria a mesma idéia por liberdade dos cativos. Em 8 de dezembro de 1882, era criada a Sociedade Redentora Acarapense e no dia 14 do mesmo mês, foi criada também a Sociedade Libertadora Artística Acarapense, presidida pelo Sr. Gil Ferreira Gomes que havia participado de uma reunião em Fortaleza do movimento abolicionista, já que era escrivão de rendas gerais do município. Chegando em Acarape, decidiu fazer algo em prol dos escravos, juntamente com Joaquim Agostinho Fraga e Antônio da Silva Matos, que aderiram a ideia, juntamente com o Sr. Semeão Teles de Meneses e a Sra. Maria Emiliana Cavalcante, que juntos com o próprio alforriaram três escravos que possuíam.
Acarape, a partir deste momento foi destinada pelos seus filhos a fincar no solo da pátria a semente que germinaria um sonho de liberdade plantada pelos abolicionistas e deste momento em diante os acarapenses transformariam a cidade no primeiro paraíso da liberdade do país. Os cearenses davam os primeiros passos para sua emancipação.
A alforria dos seus escravos tornou-se fato consumado em 1º de janeiro de 1883. Uma grande festa cívica marcou esta data, com a presença de todos os abolicionistas da capital cearense, entre eles, Antônio Bezerra, Justiniano de Serpa, General Tibúrcio, João Cordeiro, Conselheiro José Liberato Barroso, Maria Tomásia, entre outros convidados: José do Patrocínio, “O Tigre da Abolição”, Raimundo Teodorico, Presidente do Clube dos Libertos, João Fernandes Clapp, Presidente do Clube dos Libertos de Niterói, Dr. Almino Afonso, da Sociedade Abolicionista do Rio de Janeiro, Teles Marrocos, do Jornal O Libertador, Felipe Sampaio, Deputado Abolicionista, Martinho Rodrigues e Presidentes das Libertadoras de Recife, Manaus e Rio de Janeiro. Estavam presentes toda a população da cidade, sítios e localidades vizinhas na praça da matriz, que toda enfeitada com palmeiras, flores e bandeiras de várias cores decoravam esse momento solene. A sessão teve inicio com o hino da libertação, cantado por todos os presentes.
No seu discurso, José do Patrocínio fez a seguinte afirmação:
“Para se conhecer a grandeza desta festa, basta vermos a cabeceira da mesa do parlamento, representada pelo Exmo. Sr. Conselheiro Liberato Barroso, o parlamento é a ideia. A sua direita está a espada vencedora, o Exercito Brasileiro representado na pessoa do General Antônio Tibúrcio Ferreira de Sousa. A esquerda, a Igreja Católica, que convence das verdades eternas, representado condignamente pelo Revmo. Padre Silveira Guerra. Portanto senhores, temos aqui três coisas distintas: a ideia que ilumina, a espada que vence e o sacerdote que convence”. Finaliza o Tigre da abolição. Alimo Afonso discursa solenemente nesta ocasião: “Nenhum homem terá direito de propriedade sobre o outro”. Antônio Bezerra diz: “As ideias transformam mais que as armas”, finaliza com estas palavras seu discurso. O Deputado Provincial Justiniano de Serpa inicia seu discurso com esta citação: ”Estamos em plena Canaã da liberdade...”, mas o discurso mais emocionante foi de Francisco Benevides de Vasconcelos com a seguinte frase: “A maior vergonha da minha vida foi ser senhor de escravo”.
Este exemplo fizera o país inteiro voltar seus olhos para esta pequena vila, que num gesto pioneiro de amor e civismo, quebrara os grilhões de seus escravos e se tornara o “Berço das Auroras”, e o “Rosal da Liberdade”, denominado pelo jornalista e filho ilustre, Perboyre e Silva. Acarape iniciava um novo dia no Ceará, cujo término aconteceria na última hora da noite de 25 de março de 1884.

O ULTIMO ESCRAVO VENDIDO NA VILA DE ACARAPE:
Nome do Escravo
Vicente Mulato
Idade
48 anos, casado com mulher livre
Comprador
Simeão Teles de Meneses Jurumenha
Vendedor
João Capistrano Pereira
Data
08 de junho de 1881
Local da Venda
Cala Boca
Valor Pago
01 conto de réis
Testemunhas
Zacarias de Oliveira Castro
Vicente Sousa de Oliveira
Tabelião
Henrique Pinheiro de Oliveira
Procurador
Manuel Fernandes de Araújo
 
O referido escravo foi alforriado em 14 de dezembro de 1882, pelo seu proprietário Semeão Teles de Meneses, por ocasião da fundação da Sociedade Libertadora Artística Acarapense.
No dia 23 de janeiro de 1883, a Câmera Municipal de Acarape, envia um telegrama ao Imperador do Brasil, D. Pedro II comunicando oficialmente a extinção da escravatura nas terras de Acarape. Em 11 de abril do mesmo ano, recebe do imperador um telegrama parabenizando-o pelo acontecimento, pelo gesto de heroísmo dos seus filhos acarapenses, doando uma pequena contribuição num gesto confortante, auspicioso e simpático.
Eis o teor do telegrama:
DA: CASA IMPERIAL DO BRASIL
À: SOCIEDADE CEARENSE LIBERTADORA
RIO DE JANEIRO, 11 DE ABRIL DE 1883.

De ordem de S.M. o imperador do Brasil remete a V.Exma. a inclusa a 1ª via de uma letra no valor de 1:000$000 (um conto de réis), sacado no Banco do Brasil, contra a Srs. Pereira Carneiro & CIA, de Pernambuco a fim de que V.Exma. se digne de mandar entregar o referido e respectivo produto à Sociedade Cearense Libertadora, como donativo que o mesmo Augusto Senhor lhe fez, para auxiliar na alforria de escravos no Município de Acarape, desta Província. Deus guarde esta terra e todos os seus filhos.
Barão de Nogueira da Gama.
Em 17 de Agosto de 1889, um ano depois da libertação dos escravos no país, a vila de Acarape foi elevada a cidade pela lei de nº 2.167. Por gesto nobre, ela recebeu o nome heróico de “REDENÇÃO” em virtude do ato de humildade, humanidade e patriotismo dos seus filhos ao movimento abolicionista cearense, que foi o primeiro entre todos os movimentos do Brasil a conquistar a façanha de abolir os escravos na primeira cidade cearense.
Hoje a cidade de Redenção tem uma população de 26.415 habitantes (senso 2010), uma área total de 550km2, distante de Fortaleza 64km. Tem como pontos turísticos: o Museu dos Escravos, o Açude Acarape do Meio, um dos reservatórios do sistema Acarape, que abastece a cidade de Fortaleza, e a Estátua da Liberdade, monumento em homenagem à libertação dos escravos do Ceará.
                                         
                                                        Valentim Santos.
                                          Professor, Historiador e Sociólogo.