ACARAPE, A REDENÇÃO DA LIBERDADE.
Mas
o grande e definitivo momento não tardaria para acontecer, no dia 1º de janeiro
de 1883, a vila de Acarape, hoje município de Redenção no Interior cearense,
tornaria a ser a primeira cidade do Império do Brasil a alforriar todos seus
escravos de uma só vez.
Nascida
com o nome de Acarape, palavra indígena tupy etimologicamente formado por dois
nomes ACARÁ = peixe; PÉ = caminho das graças. Situada às margens do rio Pacoti,
localizada no pé da serra, esse pequeno povoado logo se tornaria um núcleo com
a criação de um posto de administração policial em 18 de março de 1842, depois
de 26 anos tornar-se-ia Vila de Acarape, pelo Presidente da Província Francisco
Inácio Marcondes Homem de Melo, em 28 de dezembro de 1868, que sancionou e
promulgou a lei de nº 1.255, tornando Acarape município livre e independente de
Baturité, ao qual era subordinado.
No
dia 21 de agosto de 1871, às 11h foi instalada a primeira Câmera Municipal da
cidade de Acarape, que contava com 07 vereadores que foram eleitos com 150
votos. A Câmera era composta da seguinte maneira:
Presidente
Cel.
Simeão Teles de Meneses Jurumenha
Vereadores
José
Joaquim de Araújo
Félix
Nogueira de Sousa
Francisco
Ernesto de Oliveira
Honorato
Gomes da Silva
Suplentes
José
Martins Maia
Antonio
Ferreira dos Reis
Substituição
Francisco
Ferreira da Silva
Cassiano
Antônio de Sousa
A
chama ardente do movimento abolicionista na capital cearense alimentava os
filhos de Acarape, que nutria a mesma idéia por liberdade dos cativos. Em 8 de
dezembro de 1882, era criada a Sociedade Redentora Acarapense e no dia 14 do
mesmo mês, foi criada também a Sociedade Libertadora Artística Acarapense,
presidida pelo Sr. Gil Ferreira Gomes que havia participado de uma reunião em
Fortaleza do movimento abolicionista, já que era escrivão de rendas gerais do
município. Chegando em Acarape, decidiu fazer algo em prol dos escravos,
juntamente com Joaquim Agostinho Fraga e Antônio da Silva Matos, que aderiram a
ideia, juntamente com o Sr. Semeão Teles de Meneses e a Sra. Maria Emiliana
Cavalcante, que juntos com o próprio alforriaram três escravos que possuíam.
Acarape,
a partir deste momento foi destinada pelos seus filhos a fincar no solo da
pátria a semente que germinaria um sonho de liberdade plantada pelos
abolicionistas e deste momento em diante os acarapenses transformariam a cidade
no primeiro paraíso da liberdade do país. Os cearenses davam os primeiros
passos para sua emancipação.
A
alforria dos seus escravos tornou-se fato consumado em 1º de janeiro de 1883.
Uma grande festa cívica marcou esta data, com a presença de todos os
abolicionistas da capital cearense, entre eles, Antônio Bezerra, Justiniano de
Serpa, General Tibúrcio, João Cordeiro, Conselheiro José Liberato Barroso,
Maria Tomásia, entre outros convidados: José do Patrocínio, “O Tigre da
Abolição”, Raimundo Teodorico, Presidente do Clube dos Libertos, João Fernandes
Clapp, Presidente do Clube dos Libertos de Niterói, Dr. Almino Afonso, da
Sociedade Abolicionista do Rio de Janeiro, Teles Marrocos, do Jornal O
Libertador, Felipe Sampaio, Deputado Abolicionista, Martinho Rodrigues e
Presidentes das Libertadoras de Recife, Manaus e Rio de Janeiro. Estavam
presentes toda a população da cidade, sítios e localidades vizinhas na praça da
matriz, que toda enfeitada com palmeiras, flores e bandeiras de várias cores
decoravam esse momento solene. A sessão teve inicio com o hino da libertação,
cantado por todos os presentes.
No
seu discurso, José do Patrocínio fez a seguinte afirmação:
“Para se conhecer a grandeza
desta festa, basta vermos a cabeceira da mesa do parlamento, representada pelo
Exmo. Sr. Conselheiro Liberato Barroso, o parlamento é a ideia. A sua direita
está a espada vencedora, o Exercito Brasileiro representado na pessoa do
General Antônio Tibúrcio Ferreira de Sousa. A esquerda, a Igreja Católica, que
convence das verdades eternas, representado condignamente pelo Revmo. Padre
Silveira Guerra. Portanto senhores, temos aqui três coisas distintas: a ideia
que ilumina, a espada que vence e o sacerdote que convence”. Finaliza o Tigre
da abolição. Alimo Afonso discursa solenemente nesta ocasião: “Nenhum homem
terá direito de propriedade sobre o outro”. Antônio Bezerra diz: “As ideias
transformam mais que as armas”, finaliza com estas palavras seu discurso. O
Deputado Provincial Justiniano de Serpa inicia seu discurso com esta citação:
”Estamos em plena Canaã da liberdade...”, mas o discurso mais
emocionante foi de Francisco Benevides de Vasconcelos com a seguinte frase: “A maior vergonha da minha vida foi ser
senhor de escravo”.
Este
exemplo fizera o país inteiro voltar seus olhos para esta pequena vila, que num
gesto pioneiro de amor e civismo, quebrara os grilhões de seus escravos e se
tornara o “Berço das Auroras”, e o “Rosal da Liberdade”, denominado pelo
jornalista e filho ilustre, Perboyre e
Silva. Acarape iniciava um novo dia no Ceará, cujo término aconteceria na
última hora da noite de 25 de março de 1884.
O
ULTIMO ESCRAVO VENDIDO NA VILA DE ACARAPE:
Nome do Escravo
|
Vicente Mulato
|
Idade
|
48 anos, casado com mulher
livre
|
Comprador
|
Simeão Teles de Meneses
Jurumenha
|
Vendedor
|
João Capistrano Pereira
|
Data
|
08 de junho de 1881
|
Local da Venda
|
Cala Boca
|
Valor Pago
|
01 conto de réis
|
Testemunhas
|
Zacarias de Oliveira
Castro
Vicente Sousa de Oliveira
|
Tabelião
|
Henrique Pinheiro de
Oliveira
|
Procurador
|
Manuel Fernandes de Araújo
|
O
referido escravo foi alforriado em 14 de dezembro de 1882, pelo seu
proprietário Semeão Teles de Meneses, por ocasião da fundação da Sociedade
Libertadora Artística Acarapense.
No
dia 23 de janeiro de 1883, a Câmera Municipal de Acarape, envia um telegrama ao
Imperador do Brasil, D. Pedro II comunicando oficialmente a extinção da
escravatura nas terras de Acarape. Em 11 de abril do mesmo ano, recebe do
imperador um telegrama parabenizando-o pelo acontecimento, pelo gesto de
heroísmo dos seus filhos acarapenses, doando uma pequena contribuição num gesto
confortante, auspicioso e simpático.
Eis
o teor do telegrama:
DA:
CASA IMPERIAL DO BRASIL
À:
SOCIEDADE CEARENSE LIBERTADORA
RIO DE
JANEIRO, 11 DE ABRIL DE 1883.
De
ordem de S.M. o imperador do Brasil remete a V.Exma. a inclusa a 1ª via de uma
letra no valor de 1:000$000 (um conto de réis), sacado no Banco do Brasil,
contra a Srs. Pereira Carneiro & CIA, de Pernambuco a fim de que V.Exma. se
digne de mandar entregar o referido e respectivo produto à Sociedade Cearense
Libertadora, como donativo que o mesmo Augusto Senhor lhe fez, para auxiliar na
alforria de escravos no Município de Acarape, desta Província. Deus guarde esta
terra e todos os seus filhos.
Barão
de Nogueira da Gama.
Em
17 de Agosto de 1889, um ano depois da libertação dos escravos no país, a vila
de Acarape foi elevada a cidade pela lei de nº 2.167. Por gesto nobre, ela
recebeu o nome heróico de “REDENÇÃO” em virtude do ato de humildade, humanidade
e patriotismo dos seus filhos ao movimento abolicionista cearense, que foi o
primeiro entre todos os movimentos do Brasil a conquistar a façanha de abolir
os escravos na primeira cidade cearense.
Hoje a cidade de Redenção tem uma população
de 26.415 habitantes (senso 2010), uma
área total de 550km2, distante de Fortaleza 64km. Tem como pontos
turísticos: o Museu dos Escravos, o Açude Acarape do Meio, um dos reservatórios
do sistema Acarape, que abastece a cidade de Fortaleza, e a Estátua da
Liberdade, monumento em homenagem à libertação dos escravos do Ceará.
Valentim Santos.
Professor, Historiador e Sociólogo.