terça-feira, 25 de dezembro de 2012



  OSCAR NIEMEYER E LEONARDO BOFF.
COMUNISMO E ÉTICA.

Não tive muitos encontros com Oscar Niemeyer. Mas os que tive foram longos e densos. Que falaria um arquiteto com um teólogo senão sobre Deus, sobre religião, sobre a injustiça dos pobres e sobre o sentido da vida?

Nas nossas conversas, sentia alguém com uma profunda saudade de Deus. Invejava-me que, me tendo por inteligente (na opinião dele) ainda assim acreditava em Deus, coisa que ele não conseguia. Mas eu o tranquilizava ao dizer: o importante não é crer ou não crer em Deus. Mas viver com ética, amor, solidariedade e compaixão pelos que mais sofrem. Pois, na tarde da vida, o que conta mesmo são tais coisas. E nesse ponto ele estava muito bem colocado. Seu olhar se perdia ao longe, com leve brilho.

Impressionou-se sobremaneira, certa feita, quando lhe disse a frase de um teólogo medieval: "Se Deus existe como as coisas existem, então Deus não existe”. E ele retrucou: "mas que significa isso?” Eu respondi: "Deus não é um objeto que pode ser encontrado por ai; se assim fosse, ele seria uma parte do mundo e não Deus”. Mas então, perguntou ele: "que raio é esse Deus?” E eu, quase sussurrando, disse-lhe: "É uma espécie de Energia poderosa e amorosa que cria as condições para que as coisas possam existir; é mais ou menos como o olho: ele vê tudo mas não pode ver a si mesmo; ou como o pensamento: a força pela qual o pensamento pensa, não pode ser pensada”. E ele ficou pensativo. Mas continuou: "a teologia cristã diz isso?” Eu respondi: "diz mas tem vergonha de dizê-lo, porque então deveria antes calar que falar; e vive falando, especialmente os Papas”. Mas consolei-o com uma frase atribuída a Jorge Luis Borges, o grande argentino:”A teologia é uma ciência curiosa: nela tudo é verdadeiro, porque tudo é inventado”. Achou muita graça. Mais graça achou com uma bela trouvaille de um gari do Rio, o famoso "Gari Sorriso: "Deus é o vento e a lua; é a dinâmica do crescer; é aplaudir quem sobe e aparar quem desce”. Desconfio que Oscar não teria dificuldade de aceitar esse Deus tão humano e tão próximo a nós.

Mas sorriu com suavidade. E eu aproveitei para dizer: "Não é a mesma coisa com sua arquitetura? Nela tudo é bonito e simples, não porque é racional mas porque tudo é inventado e fruto da imaginação”. Nisso ele concordou adiantando que na arquitetura se inspira mais lendo poesia, romance e ficção do que se entregando a elucubrações intelectuais. E eu ponderei: "na religião é mais ou menos a mesma coisa: a grandeza da religião é a fantasia, a capacidade utópica de projetar reinos de justiça e céus de felicidade. E grande pensadores modernos da religião como Bloch, Goldman, Durkheim, Rubem Alves e outros não dizem outra coisa: o nosso equívoco foi colocar a religião na razão quando o seu nicho natural se encontra no imaginário e no princípio esperança. Ai ela mostra a sua verdade. E nos pode inspirar um sentido de vida.”

Para mim a grandeza de Oscar Niemeyer não reside apenas na sua genialidade, reconhecida e louvada no mundo inteiro. Mas na sua concepção da vida e da profundidade de seu comunismo. Para ele "a vida é um sopro”, leve e passageiro. Mas um sopro vivido com plena inteireza. Antes de mais nada, a vida para ele não era puro desfrute, mas criatividade e trabalho. Trabalhou até o fim, como Picazzo, produzindo mais de 600 obras. Mas como era inteiro, cultivava as artes, a literatura e as ciências. Ultimamente se pôs a estudar cosmologia e física quântica. Enchia-se de admiração e de espanto diante da grandeur do universo.

Mas mais que tudo cultivou a amizade, a solidariedade e a benquerença para com todos. "O importante não é a arquitetura” repetia muitas vezes, "o importante é a vida”. Mas não qualquer vida; a vida vivida na busca da transformação necessária que supere as injustiças contra os pobres, que melhore esse mundo perverso, vida que se traduza em solidariedade e amizade. No JB de 21/04/2007 confessou: ”O fundamental é reconhecer que a vida é injusta e só de mãos dadas, como irmãos e irmãs, podemos vive-la melhor”.

Seu comunismo está muito próximo daquele dos primeiros cristãos, referido nos Atos dos Apóstolos nos capítulos 2 e 4. Ai se diz que "os cristãos colocavam tudo em comum e que não havia pobres entre eles”. Portanto, não era um comunismo ideológico, mas ético e humanitário: compartilhar, viver com sobriedade, como sempre viveu, despojar-se do dinheiro e ajudar a quem precisasse. Tudo deveria ser comum. Perguntado por um jornalista se aceitaria a pílula da eterna juventude, respondeu coerentemente: "aceitaria se fosse para todo mundo; não quero a imortalidade só para mim”.

Um fato ficou-me inesquecível. Ocorreu nos inícios dos anos 80 do século passado. Estando Oscar em Petrópolis, me convidou para almoçar com ele. Eu havia chegado naquele dia de Cuba, onde, com Frei Betto, durante anos dialogávamos com os vários escalões do governo (sempre vigiados pelo SNI), a pedido de Fidel Castro, para ver se os tirávamos da concepção dogmática e rígida do marxismo soviético. Eram tempos tranquilos em Cuba que, com o apoio da União Soviética, podia levar avante seus esplêndidos projetos de saúde, de educação e de cultura. Contei que, por todos os lados que tinha ido em Cuba, nunca encontrei favelas mas uma pobreza digna e operosa. Contei mil coisas de Cuba que, segundo frei Betto, na época era "uma Bahia que deu certo”. Seus olhos brilhavam. Quase não comia. Enchia-se de entusiasmo ao ver que, em algum lugar do mundo, seu sonho de comunismo poderia, pelo menos em parte, ganhar corpo e ser bom para as maiorias.

Qual não foi o meu espanto quando, dois dias após, apareceu na Folha de São Paulo, um artigo dele com um belo desenho de três montanhas, com uma cruz em cima. Em certa altura dizia: "Descendo a serra de Petrópolis ao Rio, eu que sou ateu, rezava para o Deus de Frei Boff para que aquela situação do povo cubano pudesse um dia se realizar no Brasil”. Essa era a generosidade cálida, suave e radicalmente humana de Oscar Niemeyer.

Guardo uma memória perene dele. Adquiri de Darcy Ribeiro, de quem Oscar era amigo-irmão, uma pequeno apartamento no bairro do Alto da Boa-Vista, no Vale Encantando. De lá se avista toda a Barra da Tijuca até o fim do Recreio dos Bandeirantes. Oscar reformou aquele apartamento para o seu amigo, de tal forma que de qualquer lugar que estivesse, Darcy (que era pequeno de estatura), pudesse ver sempre o mar. Fez um estrado de uns 50 centímetros de altura E como não podia deixar de ser, com uma bela curva de canto, qual onda do mar ou corpo da mulher amada. Aí me recolho quando quero escrever e meditar um pouco, pois um teólogo deve cuidar também de salvar a sua alma.

Por duas vezes se ofereceu para fazer uma maquete de igrejinha para o sítio onde moro em Araras em Petrópolis. Relutei, pois considerava injusto valorizar minha propriedade com uma peça de um gênio como Oscar. Finalmente, Deus não está nem no céu nem na terra, está lá onde as portas da casa estão abertas.

A vida não está destinada a desaparecer na morte, mas a se transfigurar alquimicamente através da morte. Oscar Niemeyer apenas passou para o outro lado da vida, para o lado invisível. Mas o invisível faz parte do visível. Por isso ele não está ausente, mas está presente, apenas invisível. Mas sempre com a mesma doçura, suavidade, amizade, solidariedade e amorosidade que permanentemente o caracterizou. E de lá onde estiver, estará fantasiando, projetando e criando mundos belos, curvos e cheios de leveza.
"Texto escrito por Leonardo Boff em 7.12.2012 descrevendo um encontro com Oscar Niemayer."
VALENTIM SANTOS.
HISTORIADOR E SOCIÓLOGO.




sábado, 22 de dezembro de 2012

A ÁGUA NAS RELIGIÕES.



                      A ÁGUA NAS RELIGIÕES.

A água é considerada como purificadora na maioria das religiões. Ela é símbolo de pureza e fonte de vida, tendo por isso um papel central em varias religiões como o Hinduísmo, Cristianismo, Judaísmo, Islamismo, Xintoísmo e Wicca. A utilização de água pelas religiões e uma pratica comum, mas cada religião tem as suas particularidades diferentes no que toca á utilização da água.  Os batismos nas igrejas cristãs são praticados com água, que simboliza o nascimento de um novo ser. Como fonte de vida representa o renascimento. Água lava o corpo e, conseqüentemente, purifica-o, e estas qualidades conferem-lhe um simbolismo, ou mesmo um estudo sagrado. A água é, portanto, um elemento chave em cerimônia e rituais religiosos.

CRISTIANISMO. Na religião cristã água está relacionada ao batismo, o símbolo maior do nascimento do cristão. Ato público de fé para com Deus, sinal de boas vindas á igreja católica. O ato de batismo e o momento em que uma pessoa é parcial ou totalmente imersa em água sobre sua cabeça. Este sacramento tem as sua origem na Bíblia, onde registra o batismo de Jesus Cristo, por João Batista nas margens do Rio Jordão.  No batismo, a água simboliza a purificação, a rejeição do pecado original. Por outro lado, no Novo Testamento, a água e como uma vida, representa o espírito de Deus, isto é, água da vida para o novo cristão. Simboliza o nascimento de uma vida eterna, na fé cristã.  

JUDAÍSMO. Na religião Judaica, os Judeus usam a água para lavagens rituais com o objetivo de restaurar ou manter um estado de pureza. A lavagem das mãos antes e depois das refeições é um ato sagrado é obrigatório para os Judeus. Os banhos rituais, ou como são conhecidos no Judaísmo Mikveh, que hoje deixaram de ser importante nas comunidades judias, permanecem, no entanto, obrigatório para os indivíduos convertidos. Os homens realizam o Mikveh geralmente nas 6º sextas feiras, ou antes, de grandes celebrações, ao passo que as mulheres fazem-no antes do casamento, ou depois do nascimento de um filho, ou antes, da primeira menstruação.
No Primeiro livro da Bíblia, Gêneses, conta a história da Criação e do Dilúvio. Para castigar os homens pela suas desobediências para com Deus, o senhor enviou uma chuva torrencial que duraram quarentas dias e quarentas noites.  Mas antes Deus fez Noé construir uma Arca, onde colocou um par de cada animal existente na terra na arca, juntamente com a família de Noé. O Dilúvio lavou os pecados do mundo, fez surgir o inicio de uma civilização livre dos pecados cometidos pelo homem.

HINDUÍSMO. Para os Hindus, a água simboliza o poder da purificação espiritual, sendo a água um ato de limpeza matinal obrigatório para todos. Os seus templos se situam perto de uma fonte de água, e Hindus ou membros têm de se banhar antes de entraram no templo. Seus lugares de peregrinação encontram-se nas margens de um rio, sendo que estes locais geralmente são de confluência de dois ou mais rios, que são considerados particulares ou sagrados para o povo Hindu.

Os sete rios sagrados, segundo as tradições do Hinduísmo são o Rio Ganges, localizado na Índia, o Rio Kaveri localizado no Golfo de Bengala, na parte nordeste do Oceano Indico.  O Rio Godavari, é um rio que corre no centro da India e um dos mais importantes do país. Tem origem próximo de Trimbak em Maharastra. Segue para leste por Maharastra e Andhra Pradesh e desagua na Baía de Bengala. Rio Normada, este rio esta localizado na Índia. Nasce no alto das montanhas Mandhata. Um dos sete lugares sagrados de peregrinação na Índia Suas pedras são considerada sagrada contém marcações simbólicas das marcas na testa do deus Shiva. O Rio Saravasti, e o nome de um rio extinto localizado na Índia, no vale do rio Indra, onde se desenvolveu a civilização Sarasvat-Sindhu, por volta 3000 a. C. O rio foi descoberto por satélite no final do século XX. O Sindhu e considerado como o sétimo rio sagrada do povo Hindu.  Localizado na região de Punjab no noroeste do Paquistão.  O Rio Yamuna. É um dos principais rios do norte da Índia medindo 1.370 Km de comprimento. É um dos principais afluentes do rio Gange.
De  acordo com esta religião, os que se banham no rio Ganges. Ou deixam parte de seu corpo, como cabelos, cinzas, etc, na margem esquerda deste rio atingirão o Svarga, conhecido como o paraíso de Indra, deus das Tempestades.
 Os rituais fúnebres que acontecem nas águas do rio Ganges; os familiares do morto vertem água sobre a pira fúnebre em chamas para que a alma do referido morto, não posa escapar e regressar á Terra como um fantasma. Quando o fogo atinge o crânio do corpo, os familiares banham-se nas águas e vão para casa. As cinzas são recolhidas três dias depois da cremação, e vários dias mais tarde são deitados nas águas do rio Ganges, considerado sagrado.
No Hinduísmo, encontrarmos um mito sobre o Dilúvio, presente em algumas escrituras sagradas dos Hindus. Que conta a história de como Manu, o primeiro homem, que foi salvo de uma inundação por um peixe, considerado  Brama ou pronunciado Brahma, é o primeiro deus da Trimurti, a trindade do hinduísmo que forma junto com Vixnu e Shiva, o trios de deus hindus. Também considerado pelos hindus a representação da força criadora ativa no universo.

O ISLAMISMO.  Para os Muçulmanos, a água serve, mais que nada, para a purificação. Existem três tipos de abluções, ou lavagens praticados pelos Islâmicos. A primeira e mais importante, pois envolve a lavagem integral do corpo. E obrigatória depois das relações sexuais e recomendadas antes das orações nas 6º feiras e antes de tocar o Carão. A segunda ocorre antes de cada uma das cinco orações diárias, tendo os membros de se banhar a cabeça, lavar as mãos, as antebraços e os pés.  Em todas as mesquitas existem fontes de água, normalmente uma delas e exclusiva para os banhos ou ablução. Por fim, o último banho diz respeito ás situações em que a água torna-se escassas, nestes casos os Muçulmanos utilizam areia para suas lavagem.

O BUDISMO. Para o budista o simbolismo e os rituais da água não fazem sentido, porque procuram a iluminação espiritual que advém de ver a realidade da irrealidade. No entanto, a água está presente nos funerais Budistas, sendo vertida sobre uma taça que transborda perante os corpos, praticada pelos monges que recitam uma oração denominada de Oração das águas. “Como as chuvas enchem os rios e transbordam para os oceanos, também o que é oferecido aqui possa chegar aos que partiram”.

A água em regra, e um elemento fundamental tanto para o ser humano, quanto para as religiões, onde são utilizadas pelos seus seguidores, nas praticas de oferendas. Nas religiões Africanas Ocidentais como o, Candomblé, e a Umbanda mista, são usadas nos rituais e oferendas as divindades que representa a natureza como, Iemanjá a rainha dos mares, de todas as águas do mundo, seja dos rios, seja do mar. Seu nome deriva da expressão YÉYÉ OMÓ EJÁ, que significa mãe cujos filhos são peixes. Oxossi deus das cachoeiras, Ogum deus dos oceanos, Iara a mãe de todas as águas.  Suas oferendas são realizadas sempre com águas e colocadas nas águas como forma de agradar seus deuses,
Nas religiões neopagãs, como Xintoísmo e na Wicca, também existe a crença na existência de cinco elementos constituintes do Universo, sendo eles: o Fogo, a Água e a Terra e o Akasha que e na verdade e a manifestação da energia divina proveniente das águas. A água é usada em quase todos os rituais de limpeza dos seus praticantes.
Nas religiões, o uso ritual da água segue um ritmo de envolvimento crescente: vai desde a simples aspersão, até a total imersão. Outro ritmo a considerar é o da interioridade, que vai da sensibilidade exterior aquela interior desse tipo notório.
Para se livrarem do ciclo de reencarnações, os Hindus mergulham no rio Ganges, Yamuna e Godavári, considerados sagrados. Já os Judeus purificam-se através do mikvá, que e um banho ritual. Os Muçulmanos lavam os pés, os braços e o rosto antes das orações.
Na Gália céltica centenas de lagos e fontes eram consideradas miraculosas, beber a sua água assegurava saúde, fertilidade e boa sorte.
Quando João Baptista voltou do deserto anunciando o tempo messiânico, usou o banho como sinal público de conversão (ef.Mc. 1,4-5). Jesus de Nazaré  ordenou este rito quando enviou seus apóstolos a pregarem a boa notícia do reino de Deus. (ef.Mt. 28,19). 


 VALENTIM SANTOS
Professor,Historiador e Sociólogo

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012


                 ACARAPE, A REDENÇÃO DA LIBERDADE.


Mas o grande e definitivo momento não tardaria para acontecer, no dia 1º de janeiro de 1883, a vila de Acarape, hoje município de Redenção no Interior cearense, tornaria a ser a primeira cidade do Império do Brasil a alforriar todos seus escravos de uma só vez.
Nascida com o nome de Acarape, palavra indígena tupy etimologicamente formado por dois nomes ACARÁ = peixe; PÉ = caminho das graças. Situada às margens do rio Pacoti, localizada no pé da serra, esse pequeno povoado logo se tornaria um núcleo com a criação de um posto de administração policial em 18 de março de 1842, depois de 26 anos tornar-se-ia Vila de Acarape, pelo Presidente da Província Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo, em 28 de dezembro de 1868, que sancionou e promulgou a lei de nº 1.255, tornando Acarape município livre e independente de Baturité, ao qual era subordinado.
No dia 21 de agosto de 1871, às 11h foi instalada a primeira Câmera Municipal da cidade de Acarape, que contava com 07 vereadores que foram eleitos com 150 votos. A Câmera era composta da seguinte maneira:
Presidente
Cel. Simeão Teles de Meneses Jurumenha                 
Vereadores
José Joaquim de Araújo                                                    
Félix Nogueira de Sousa                                                  
Francisco Ernesto de Oliveira                                          
Honorato Gomes da Silva
Suplentes
José Martins Maia
Antonio Ferreira dos Reis                                                 
Substituição
Francisco Ferreira da Silva
Cassiano Antônio de Sousa
A chama ardente do movimento abolicionista na capital cearense alimentava os filhos de Acarape, que nutria a mesma idéia por liberdade dos cativos. Em 8 de dezembro de 1882, era criada a Sociedade Redentora Acarapense e no dia 14 do mesmo mês, foi criada também a Sociedade Libertadora Artística Acarapense, presidida pelo Sr. Gil Ferreira Gomes que havia participado de uma reunião em Fortaleza do movimento abolicionista, já que era escrivão de rendas gerais do município. Chegando em Acarape, decidiu fazer algo em prol dos escravos, juntamente com Joaquim Agostinho Fraga e Antônio da Silva Matos, que aderiram a ideia, juntamente com o Sr. Semeão Teles de Meneses e a Sra. Maria Emiliana Cavalcante, que juntos com o próprio alforriaram três escravos que possuíam.
Acarape, a partir deste momento foi destinada pelos seus filhos a fincar no solo da pátria a semente que germinaria um sonho de liberdade plantada pelos abolicionistas e deste momento em diante os acarapenses transformariam a cidade no primeiro paraíso da liberdade do país. Os cearenses davam os primeiros passos para sua emancipação.
A alforria dos seus escravos tornou-se fato consumado em 1º de janeiro de 1883. Uma grande festa cívica marcou esta data, com a presença de todos os abolicionistas da capital cearense, entre eles, Antônio Bezerra, Justiniano de Serpa, General Tibúrcio, João Cordeiro, Conselheiro José Liberato Barroso, Maria Tomásia, entre outros convidados: José do Patrocínio, “O Tigre da Abolição”, Raimundo Teodorico, Presidente do Clube dos Libertos, João Fernandes Clapp, Presidente do Clube dos Libertos de Niterói, Dr. Almino Afonso, da Sociedade Abolicionista do Rio de Janeiro, Teles Marrocos, do Jornal O Libertador, Felipe Sampaio, Deputado Abolicionista, Martinho Rodrigues e Presidentes das Libertadoras de Recife, Manaus e Rio de Janeiro. Estavam presentes toda a população da cidade, sítios e localidades vizinhas na praça da matriz, que toda enfeitada com palmeiras, flores e bandeiras de várias cores decoravam esse momento solene. A sessão teve inicio com o hino da libertação, cantado por todos os presentes.
No seu discurso, José do Patrocínio fez a seguinte afirmação:
“Para se conhecer a grandeza desta festa, basta vermos a cabeceira da mesa do parlamento, representada pelo Exmo. Sr. Conselheiro Liberato Barroso, o parlamento é a ideia. A sua direita está a espada vencedora, o Exercito Brasileiro representado na pessoa do General Antônio Tibúrcio Ferreira de Sousa. A esquerda, a Igreja Católica, que convence das verdades eternas, representado condignamente pelo Revmo. Padre Silveira Guerra. Portanto senhores, temos aqui três coisas distintas: a ideia que ilumina, a espada que vence e o sacerdote que convence”. Finaliza o Tigre da abolição. Alimo Afonso discursa solenemente nesta ocasião: “Nenhum homem terá direito de propriedade sobre o outro”. Antônio Bezerra diz: “As ideias transformam mais que as armas”, finaliza com estas palavras seu discurso. O Deputado Provincial Justiniano de Serpa inicia seu discurso com esta citação: ”Estamos em plena Canaã da liberdade...”, mas o discurso mais emocionante foi de Francisco Benevides de Vasconcelos com a seguinte frase: “A maior vergonha da minha vida foi ser senhor de escravo”.
Este exemplo fizera o país inteiro voltar seus olhos para esta pequena vila, que num gesto pioneiro de amor e civismo, quebrara os grilhões de seus escravos e se tornara o “Berço das Auroras”, e o “Rosal da Liberdade”, denominado pelo jornalista e filho ilustre, Perboyre e Silva. Acarape iniciava um novo dia no Ceará, cujo término aconteceria na última hora da noite de 25 de março de 1884.

O ULTIMO ESCRAVO VENDIDO NA VILA DE ACARAPE:
Nome do Escravo
Vicente Mulato
Idade
48 anos, casado com mulher livre
Comprador
Simeão Teles de Meneses Jurumenha
Vendedor
João Capistrano Pereira
Data
08 de junho de 1881
Local da Venda
Cala Boca
Valor Pago
01 conto de réis
Testemunhas
Zacarias de Oliveira Castro
Vicente Sousa de Oliveira
Tabelião
Henrique Pinheiro de Oliveira
Procurador
Manuel Fernandes de Araújo
 
O referido escravo foi alforriado em 14 de dezembro de 1882, pelo seu proprietário Semeão Teles de Meneses, por ocasião da fundação da Sociedade Libertadora Artística Acarapense.
No dia 23 de janeiro de 1883, a Câmera Municipal de Acarape, envia um telegrama ao Imperador do Brasil, D. Pedro II comunicando oficialmente a extinção da escravatura nas terras de Acarape. Em 11 de abril do mesmo ano, recebe do imperador um telegrama parabenizando-o pelo acontecimento, pelo gesto de heroísmo dos seus filhos acarapenses, doando uma pequena contribuição num gesto confortante, auspicioso e simpático.
Eis o teor do telegrama:
DA: CASA IMPERIAL DO BRASIL
À: SOCIEDADE CEARENSE LIBERTADORA
RIO DE JANEIRO, 11 DE ABRIL DE 1883.

De ordem de S.M. o imperador do Brasil remete a V.Exma. a inclusa a 1ª via de uma letra no valor de 1:000$000 (um conto de réis), sacado no Banco do Brasil, contra a Srs. Pereira Carneiro & CIA, de Pernambuco a fim de que V.Exma. se digne de mandar entregar o referido e respectivo produto à Sociedade Cearense Libertadora, como donativo que o mesmo Augusto Senhor lhe fez, para auxiliar na alforria de escravos no Município de Acarape, desta Província. Deus guarde esta terra e todos os seus filhos.
Barão de Nogueira da Gama.
Em 17 de Agosto de 1889, um ano depois da libertação dos escravos no país, a vila de Acarape foi elevada a cidade pela lei de nº 2.167. Por gesto nobre, ela recebeu o nome heróico de “REDENÇÃO” em virtude do ato de humildade, humanidade e patriotismo dos seus filhos ao movimento abolicionista cearense, que foi o primeiro entre todos os movimentos do Brasil a conquistar a façanha de abolir os escravos na primeira cidade cearense.
Hoje a cidade de Redenção tem uma população de 26.415 habitantes (senso 2010), uma área total de 550km2, distante de Fortaleza 64km. Tem como pontos turísticos: o Museu dos Escravos, o Açude Acarape do Meio, um dos reservatórios do sistema Acarape, que abastece a cidade de Fortaleza, e a Estátua da Liberdade, monumento em homenagem à libertação dos escravos do Ceará.
                                         
                                                        Valentim Santos.
                                          Professor, Historiador e Sociólogo.